ARTIGO

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COMO TER ESPERANÇA QUANDO TUDO PARECE ABSURDO?

Autor: Joviniano J. R. Oliveira – CBT (Certified Bioenergetic Therapist) [1]

RESUMO: Esse artigo é um resultado parcial de minha tese de doutorado cujo título é Corposofia: Análise Bioenergética para sensibilizar questões filosóficas. Como professor de Filosofia e também analista bioenergético encontrei nessa abordagem, especialmente no grupo de movimento, um recurso pedagógico para sensibilizar os problemas tratados em minhas aulas de Filosofia. Minha proposta é a partir do grounding e dos recursos da análise bioenergética favorecer a flexibilização do corpo e por meio disso facilitar o acesso às questões filosóficas fundamentais de nosso cotidiano. Para o filósofo francês Albert Camus, o problema filosófico mais sério é o do suicídio. Camus em sua obra O Mito do Sísifo recorreu ao dilema de Sísifo, personagem da mitologia grega para ilustrar nossa sensação de absurdo que emana de uma existência sem sentido, para Camus, Sísifo é o herói do absurdo.  O texto abaixo relata um encontro dedicado à percepção e flexibilização da couraça diafragmática e sua conexão com o centro energético (chakra) do plexo solar, como centro do poder pessoal. Desenvolvi, no grupo de movimento, que é a parte prática do encontro, uma sequência de exercícios de bioenergética a partir do grounding, como enraizamento e sustentação saudável do self, e uma posição afirmativa diante do absurdo da existência.

 

  1. O Grupo de Movimento e Consciência Corporal como um recurso didático

Este texto apresenta um relato crítico da experiência do projeto Filosofia e Movimento, realizada na Escola Estadual Professor Coriolano Monteiro, que pertence à rede pública estadual de ensino do Estado de São Paulo, Brasil. Essa vivência realizou-se no segundo semestre de 2017, durante as aulas da disciplina de Filosofia, para estudantes do terceiro ano do ensino médio, com faixa etária entre 16 e 18 anos. Esse encontro compõe o conjunto de experiências realizadas no processo de pesquisa para a escrita da tese de doutorado Corposofia: Análise Bioenergética para sensibilizar questões filosóficas. O objetivo da pesquisa é perceber a contribuição dos recursos da Análise Bioenergética como ferramentas pedagógicas, especificamente na minha disciplina de Filosofia. A análise bioenergética é uma abordagem terapêutica que auxilia-nos a não só perceber os locais de maior tensão corporal, mas também procura aliviá-los, por meio do toque, de movimentos e posturas corporais chamados de exercícios de bioenergética, especialmente os de respiração e de grounding (enraizamento), ou seja, estar de pé em suas próprias pernas.

O grupo de movimento é uma modalidade de trabalho corporal, em que os exercícios de bioenergética são realizados coletivamente. Diferente de um grupo de terapia, que é focado nas questões existenciais dos participantes, o grupo de movimento procura levar “o participante a um processo de sensibilização e conscientização corporal, de modo a melhorar sua percepção de si mesmo” (GAMA & REGO 1996, 18). O objetivo é identificar e acolher as emoções, o que favorece a propriocepção dos participantes. O Grupo de movimento e Consciência Corporal é uma oficina viva em que a questão é “sentida na pele” e depois refletida com base nos referenciais teóricos.

Na atual organização curricular do Ensino Médio, a disciplina de Filosofia é obrigatória. As aulas de Filosofia, por abarcarem discussões amplas das ciências, das artes e da ética, acabam se tornando um cenário favorável para a reflexão de conflitos essenciais, como escolher de forma racional ou ser guiado pelos afetos.

As discussões e os textos filosóficos são tradicionalmente conceituais, e versam sobre a formação e crítica teóricas. São muitos os filósofos que defenderam que o conceito é algo abstrato, todavia para autores contemporâneos como Deleuze e Guattari, o pensamento é imanente à vida: “o filósofo é o amigo do conceito, ele é o conceito em potência. (…) os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. (…) Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 11). Inspirado na definição de Filosofia deleuze-guattariana, o professor Silvio Gallo, da Faculdade de Educação da Unicamp,  propõe-nos pensar a aula de Filosofia como uma “oficina de conceitos”. Nesse sentido, a filosofia não é apenas o depósito de conceitos da história da Filosofia mas, genuinamente, uma atividade criativa. Por isso, a sensibilização é a etapa anterior à problematização; “a sensibilização é o componente afetivo com o tema trabalhado” (Gallo, 2007). Sem a percepção do problema não há processo filosófico possível e os estudantes bem sensibilizados irão perceber o problema como parte da vida real, e não simplesmente como um conceito alienado do cotidiano no qual estão inseridos.

Com a inclusão das dinâmicas de grupo na aula de Filosofia, o que busco observar é, se a partir de uma postura mais enraizada no corpo, tanto discentes como docentes se tornem capazes de se conectarem mais afetivamente com os conflitos interpessoais e buscarem soluções mais razoáveis.

 

  1. Como ter esperança quando tudo parece absurdo?

Quem nunca teve a sensação de que o tempo está passando muito rápido? Essa rapidez e a sensação de que o tempo e a vida se esvaem rapidamente, pode ser acentuada com os repetidos compromissos, como as contas a pagar. Na canção Fim de mês, Raul Seixas, um músico brasileiro popular, de uma maneira simples, traz a questão da angústia e o sentimento do absurdo que surge na vida do trabalhador, que se desgasta para ganhar seu salário e vê o fruto de seu trabalho desaparecer nas contas e, de repente, “é fim de mês outra vez”. Foi sobre essa consciência do absurdo, e da possibilidade de se ter uma posição assertiva da vida, mesmo diante do absurdo da existência, que esse encontro tratou. O texto entregue aos estudantes se iniciou com essa epígrafe:

Eu já paguei a conta do meu telefone,
eu já paguei por eu falar e já paguei por eu ouvir.
Eu já paguei a luz, o gás, o apartamento
Kitnet de um quarto que eu comprei a prestação
pela Caixa Federal, au, au, au,
eu não sou cachorro não (não, não, não)!
Eu liquidei a prestação do paletó, do meu sapato, da camisa
que eu comprei pra domingar com o meu amor
lá no Cristo Redentor, ela gostou (oh!) e mergulhou (oh!)
E o fim de mês vem outra vez!

( Fim de Mês, Raul Seixas)

Esse encontro foi realizado em agosto de 2017, e contou com um maior tempo de preparo, já que eu estava afastado da minha função de professor, para me dedicar à pesquisa, mas contei com o apoio da minhas colegas Fabiane Cancian e Andrea Catusso que gentilmente cederam suas aulas. Pude assim ter três aulas seguidas, o que perfaz 150 minutos contínuos de atividade, o que possibilitou a aplicação inicialmente da sensibilização com o grupo de movimento, em seguida a discussão do texto e, por fim, a aplicação dos questionários. A partir do próximo parágrafo segue o texto que utilizei com os estudantes no dia do encontro, sobre o tema: Como ter esperança quando tudo parece absurdo?

Alice e o absurdo

 

Em nosso último encontro do projeto Filosofia e Movimento, realizado em 2016, nós trabalhamos o segmento torácico, que se conecta ao nosso coração, e associamos ao dilema Razão X Emoção[2]. Para tanto, refletimos sobre o encontro da personagem principal do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, com o Gato Sorriso. Vimos que o tom filosófico das perguntas do Gato mobilizou a curiosidade da pequena Alice a pensar e agir de forma mais autônoma. Aproveitamos a pergunta do gato: “aonde você quer chegar?” para refletirmos sobre quais caminhos a curiosa menina Alice poderia trilhar, e também nós mesmos, quando pensamos sobre nossa autonomia.

No atual encontro, a proposta é promover uma conexão com o segmento diafragmático. Para o psicanalista Reich, o segmento diafragmático guarda emoções como “raiva e também lágrimas” (REICH, 1998, p.349), ele também observou em um de seus pacientes que mobilizar esse segmento resgatou o movimento lateralizado e natural do corpo como um ‘não’, um movimento de negar e se proteger. Na psicoterapia corporal existe um ditado: somente quando aprendemos a dizer NÃO, é que diremos SIM de verdade. Esse segmento está conectado ao centro energético, ou chakra, do plexo solar. O plexo Solar, de acordo com Richard Gerber,

 

Está associado à questão do poder pessoal do indivíduo. O poder pessoal poderia ser interpretado como uma sensação de controle sobre a própria vida. O poder pessoal também está relacionado com o modo como o indivíduo vê a si mesmo em relação aos outros e de que modo eles vivem suas vidas. Ele está sujeito aos caprichos dos outros ou considera que detém o controle sobre sua vida e se sente satisfeito com seus relacionamentos? (GERBER, R. 1997, p. 316).

 

Com objetivo de entrarmos em contato com nossa força interior, vamos nos lembrar da menina Alice que no País das Maravilhas, durante quase toda a história, assumiu um tamanho menor do que o habitual, e uma posição mais passiva em relação aos outros personagens, mesmo quando não concordava com as opiniões deles. Isso pode ser percebido no diálogo entre Alice e a Duquesa que, além de ficar dando ordens para Alice o tempo todo, também a deixava irritada, porque gostava de achar uma lição de moral em tudo, “entretanto, como não gostava de ser rude, Alice suportou a situação da melhor forma possível” (CARROL, 2014a, p.121).

No penúltimo capítulo, quando a Rainha de Copas procurava ‘cortar a cabeça’ de quem tinha roubado suas tortas, durante o interrogatório do Chapeleiro, Alice se dá conta de que estava crescendo e voltando ao seu tamanho habitual. Sua primeira reação foi fugir, mas nesse momento ela muda de opinião “pensando duas vezes decidiu ficar onde estava, enquanto houvesse lugar para ela.” (Idem, p.151). Em seguida, o Rei anuncia uma regra que Alice considera arbitrária a de que:

 

Todas as pessoas com mais de um quilômetro de altura devem sair da corte. Todo mundo olha para Alice. Eu não tenho um quilômetro de altura, disse Alice. Tem, disse o Rei. Quase dois quilômetros de altura, acrescentou a Rainha. Bem, não vou sair de jeito nenhum, disse Alice. Além do mais, essa não é uma regra regular, você acabou de inventá-la. (Idem, p. 161).

 

É interessante perceber que, nessa história, o crescimento de Alice de certa forma coincide com o momento em que Alice questiona as regras estabelecidas. Ela se pergunta se essas regras são verdadeiras e justas. No final desse último capítulo, Alice também se questionou sobre a atitude da Rainha de dar uma sentença antes de se dizer o veredicto:

 

Mas que tolice, disse Alice em voz alta, Que idéia de ter sentença primeiro! Cale-se, disse a Rainha, vermelha de raiva. Não me calo, disse Alice. Corte a cabeça dela, gritou a Rainha com toda a força dos pulmões. Ninguém se moveu. Quem se importa com vocês?, disse Alice (ela tinha chegado ao seu tamanho normal a essa altura). Vocês não passam de um baralho de cartas! Quando acabou de dizer essas palavras, todo o baralho começou a desmoronar (Idem, 169).

 

Alice desperta do sono do lado de sua irmã. Seria a revolta diante de uma realidade ou regra absurda, a força capaz de despertar Alice do sonho do país das maravilhas?

Alguns meses depois, as aventuras de Alice continuam. Ela estava em casa brincando com os filhotinhos de sua gata Dina, quando dirige a esse animalzinho a seguinte pergunta: “você gostaria de morar na Casa do Espelho, gatinho?” (CARROL, 2014b, p. 24). Alice estava curiosa e começou a imaginar o que existia atrás do espelho.  A Casa do Espelho é o nome do primeiro capítulo do livro Alice no País do Espelho, ou Alice através do Espelho. Alice era uma menina muito criativa e adorava brincar de “faz de conta”, ela propõe ao gatinho: “Vamos fazer de conta que o vidro ficou macio como se fosse o filó de um mosquiteiro e que a gente pode ir empurrando e atravessar! Ora, mas não é que o vidro está se transformando numa névoa, ora essa! Assim, vai ser fácil passar para o outro lado…” (Idem, Ibidem).  Aos poucos, Alice vai percebendo que aquele mundo atrás do espelho parecia um grande tabuleiro de xadrez, e, como estamos acompanhando o crescimento de Alice,vamos nos ater no encontro de Alice com a rainha Vermelha:

 

“De onde você vem? – quis saber a Rainha Vermelha. – ‘E aonde pensa que vai? Levante os olhos fale com educação e não fique girando os polegares o tempo todo!’ Alice prontamente obedeceu a todas estas instruções e explicou da melhor forma possível que tinha perdido o seu caminho. ‘Não sei o que você pretende dizer como seu caminho – retorquiu a Rainha. ‘Todos os caminhos por aqui pertencem a mim’ ” (Idem, p.44).

 

Alice inicialmente ouviu o discurso da Rainha, mas quando essa fez uma confusão entre uma colina e um vale, Alice disse: “Uma colina não pode ser um vale, Vossa Majestade sabe. Isso seria um absurdo…” (Idem, p. 45). Alice começou, aos poucos, a ter clareza de como funcionava aquele mundo:

 

– Mas é um grande jogo, um imenso jogo de xadrez que está sendo jogado –cobrindo o mundo inteiro. (…) Ah, mas que coisa mais divertida! Como gostaria de ser uma das peças desse jogo! Não me importaria de ser apenas um peão, desde que pudesse entrar na brincadeira … Embora, é claro, fosse muito melhor se eu pudesse ser… Bem, gostaria de ser uma Rainha, Seria muito mais divertido. (Idem, p. 46 e 47).

 

Ao ouvir essa fala de Alice, a Rainha Vermelha sorri e diz: “Mas isso é muito fácil. Você pode ser um peão da Rainha Branca (…) para começar, você já sai da segunda casa, e, quando conseguir chegar na Oitava Casa, se torna Rainha também…” (Idem, p. 47). Aqui começa a saga da Alice nesse jogo que é o país do Espelho.

No primeiro livro, Alice é uma menina curiosa que não sabe aonde quer chegar, já na saga do País do Espelho, a menina já tem um objetivo: chegar na Oitava Casa e ser a Rainha Branca. Se retomarmos a pergunta do Gato Sorriso sobre “aonde você quer chegar?”, temos agora um posicionamento mais assertivo da menina Alice em relação a seu caminho no jogo, ela “gostaria de ser uma Rainha”. Muitas serão as jogadas e personagens relativos às peças e desafios desse jogo, não vamos nos ater a isso. O que nos importa é que mesmo muitas vezes se deparando com situações absurdas, Alice não abre mão do seu projeto de se tornar a Rainha Branca. A sua trajetória, que é concluída através do país do espelho, ainda nos inspira a sermos Reis e/ou Rainhas de nosso espaço e a tomarmos as rédeas de nossas vidas.

Mas como manter essa clareza diante de um mundo que tem atravessado tantas crises e parece estar submerso num grande caos?

 

Sísifo e o absurdo

 

Nesse momento, parece-nos útil lembrar uma outra narrativa importante da história ocidental: na mitologia grega, a narrativa do mito do Sísifo que, mesmo sendo datada de séculos anteriores a de Alice, ainda é pertinente para nossas questões cotidianas. Nas palavras do filósofo francês Albert Camus (1913-1960):

 

Sísifo era o mais sábio e prudente dos mortais. Mas, segundo uma outra tradição, ele tendia para o ofício de bandido. Não vejo contradição nisso. As opiniões diferem sobre os motivos que o levaram a ser o trabalhador inútil dos infernos. Censuram-lhe primeiro certa leviandade com os deuses. Ele revelou seus segredos. Egina, filha de Asopo, foi raptada por Júpiter. O pai estranhou seu desaparecimento e se queixou de Sísifo. Este, que estava sabendo do rapto, ofereceu-se para instruir Asopo, com a condição de que ele desse água à cidadela de Corinto. Preferiu a benção da água aos raios celestes. E, como castigo nos infernos. Homero nos conta também que Sísifo havia acorrentado a Morte. Plutão não pode suportar o espetáculo de seu império deserto e silencioso. Enviou o deus da guerra, que libertou a Morte das mãos de seu vencedor. Contam também que Sísifo, já perto de morrer, quis imprudentemente pôr à prova o amor da sua esposa. Ordenou que ela jogasse seu corpo insepulto no meio da praça pública. Sísifo foi para os infernos. E ali, irritado por uma obediência tão contrária ao amor humano, obteve de Plutão a permissão de voltar à Terra para castigar a mulher. Mas quando tornou a ver a face desse mundo, a desfrutar da água e do sol, das pedras tépidas e do mar, não quis voltar para as sombras infernais. As chamadas, cóleras e advertências nada conseguiram. Durante muitos anos, ele continuou morando em frente à curva do golfo, com o mar resplandecente e o sorriso da Terra. Foi preciso uma intervenção dos deuses. Mercúrio segurou o audaz pelo pescoço e, tirando-o de suas alegrias, trouxe-o à força de volta para o inferno onde sua rocha estava preparada (CAMUS, p.121-122).

 

Qual foi o castigo de Sísifo? Na rocha,

 

Os deuses condenaram Sísifo a empurrar incessamente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança. (Idem, p.121)

 

Ainda em O Mito do Sísifo, o filósofo francês Albert Camus defendeu que: “Só existe uma problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia (Idem, p. 19)”. Após refletir sobre o absurdo de existir e real falta de sentido presente nisso, ele conclui que a vida “será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente. Mas, sabendo-o absurdo, não se viverá esse destino sem fazer tudo para manter diante de si o absurdo iluminado pela consciência” (Idem p. 59). Nesse lugar, não se deve negar a falta de sentido, mas isso não quer dizer se conformar, pelo contrário, para Camus:

 

Uma das poucas posturas filosóficas coerentes é a revolta, o confronto perpétuo do homem com sua própria escuridão (…) é apenas a certeza de um destino esmagador, sem a resignação que deveria acompanhá-la (Idem p.60).

 

O absurdo é a consciência do ser humano de sua finitude, ou seja, ele está condenado à morte. Essa consciência de viver condenado à morte é contrária a da renúncia da vida finita, nesse sentido, o absurdo “recusa o suicídio na medida em que é ao mesmo tempo consciência e recusa da morte (…) o suicídio é um desconhecimento.”[3] Nesse cenário de consciência emerge a revolta, que usa da força interna para esgotar todas as possibilidades que a vida lhe oferece, que vive intensamente até se esgotar de viver, “o homem absurdo não pode fazer outra coisa senão esgotar tudo e se esgotar.” (idem, p. 61).

Camus percebe essa atitude, em Sísifo, quando a pedra retorna ao atingir o topo da montanha:

 

É durante esse regresso, essa pausa, que Sísifo me interessa. Um rosto que padece tão perto das pedras já é pedra ele próprio! Vejo esse homem descendo com passos pesados e regulares de volta para o tormento cujo fim não conhecerá. Essa hora, que é como uma respiração e que se repete com tanta certeza quanto sua desgraça, essa é a hora da consciência (Idem, p. 122).

 

Para trazer a constatação do absurdo e a falta de esperança para a vida cotidiana, Camus dá exemplo do operário de hoje que trabalha

 

“todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.” (Idem, p. 123).

 

O absurdo da existência apresenta-se pela falta de sentido, nesse caso, do eterno rolar da pedra. O absurdo é o sentimento que nos priva do sono necessário para nossa vida:

 

Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro (…). Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento de absurdo (Idem, p. 41)

 

Aceitar o destino não seria se conformar? Mesmo sabendo do desafio de rolar a pedra, Sísifo não desiste, ele enfrenta a dor, e sua própria sombra:

 

Não há sol sem sombra, e é preciso conhecer a noite (…). Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz (Idem, p. 124).

 

Nesse encontro, tivemos a companhia de dois personagens que, diante dos desafios, não se conformaram, de um lado Alice se revolta e usa sua força para se tornar Rainha; por outro lado, Sísifo, que parece um homem conformado em empurrar a pedra, ao compreender o absurdo, não desiste e usa sua força para ser ele mesmo, ser Sísifo, e, por ser quem é sua história chegou até nossos dias.

Hoje nossas pedras podem ser o egoísmo, individualismo, consumismo e tantos “ismos” que podem nos tirar do contato com nosso corpo e com nossos desejos verdadeiros. Na dinâmica em grupo, nesse encontro dedicado ao segmento diafragmático, tocamos algumas emoções: o medo de dar limites, a força para buscar o que queremos, bem como saber dizer não, sermos assertivos e usarmos nossa agressividade/força para conquistar nossos projetos, além disso, ressaltamos a diferença entre agressividade e violência. Podemos agora associar o sentimento de revolta diante do absurdo, como uma retomada de nossa força e agressividade saudável, transformar nossa raiva em força pode ser parte da mágica de sermos pessoas mais assertivas diante dos desafios… Quem sabe agora, podemos experimentar sermos nós mesmos?

Vamos finalizar essa reflexão com o conceito de revolta como alternativa ao suicídio, como propõe o filósofo Albert Camus. A constatação do absurdo da existência pode advir da própria história de vida do filósofo Camus que, desde criança, teve que enfrentar as perseguições e horrores advindos da Segunda Guerra Mundial, a miséria na Argélia, a intolerância, a morte prematura do pai. As religiões e os pensamentos filosóficos não respondiam suas inquietações e ele, após ganhar o prêmio Nobel de Literatura com a obra O Estrangeiro, e receber duras críticas de Sartre, ratifica sua ruptura com o existencialismo, porque, para ele, os existencialistas caíram num niilismo ético (em latim, a palavra nihil significa nada, ou seja, uma ética que tende ao pessimismo ou ceticismo) ou numa violência revolucionária. Para Camus, a conexão entre o homem e o mundo é o absurdo, “se não há esperança, não pode haver absurdo, pois, quando perdida a esperança, o homem se suicida e sem o homem não há sentimento de absurdo” (SANTOS, 2009, p. 98).

Quando percebemos que o tempo perdido não retorna, quando temos contato com a morte de pessoas queridas, deparamo-nos com os reveses da vida. No ensaio filosófico o Mito do Sísifo, Camus fala do suicídio como escolha individual e voluntária, já em sua outra obra, O Homem Revoltado, Camus aborda do suicídio do ponto de vista social, quando a sociedade gera exclusão e impõe a morte aos indivíduos. Nesse caso também, a revolta – e não o conformismo – é um elemento fundamental, Camus não defende uma transcendência metafísica ou religiosa como forma de suportar o absurdo. Nem se filia a uma ideologia filosófica ou política, apesar de indicar o comunismo como uma alternativa à ocupação nazista, essa postura foi mantida durante um tempo. Sua vida foi marcada pela busca da felicidade e de uma atitude de revolta, no sentido de uma postura afirmativa diante do absurdo da vida.

 

  1. Parte prática do encontro: Grupo de movimento com enfoque no segmento diafragmático para sensibilizar a questão esperança e assertividade diante da vida.

Nesse encontro, foi dada mais atenção às tensões presentes no diafragma: Esse músculo é um dos mais importantes para nossa respiração e fundamental para a projeção da voz, seja falando ou cantando.

De agora em diante, nesse tópico, as palavras em negrito se referem aos nomes dos exercícios. Toda a sequência inicial buscou favorecer o Grounding e o contato com o grupo, tendo em vista que “o poder pessoal deve se ancorar na terra, ou seja, se não estiver enraizado no verdadeiro self, esse poder serve ao falso self, ou máscara social”[4].

Como tem sido realizado em todos os encontros, iniciamos o trabalho corporal com a fotografia interna ou percepção das tensões corriqueiras. Ao perceber o seu corpo, quais geralmente são os lugares mais tensos? Fizemos alongamentos e automassagem para soltar um pouco as tensões.

Iniciamos com uma caminhada pela sala para reconhecer o espaço em que o encontro era realizado, inicialmente sem falar com nossos colegas de turma, procurando observar o espaço físico e a qualidade do contato de nossos pés com o chão.

Em seguida, apresentei o Grounding como postura de pé, especialmente porque percebi a presença de estudantes novos na turma e os convidei para fazer o teste muscular, é uma experiência simples para perceber o tônus muscular. Convidei um estudante para ficar em pé simplesmente parado sem corrigir a postura ou alinhar a coluna, em seguida avisei que ia fazer uma pressão em seus ombros e ele deveria resistir. A primeira experiência geralmente resulta na dificuldade de sustentação na postura. Em seguida o estudante é convidado a alinhar a coluna e entrar na posição de grounding de pé. O teste muscular foi novamente realizado, eu disse que ia fazer novamente uma pressão em seus ombros e ele deveria resistir, o resultado foi o mesmo obtido nas experiências anteriores, o que ocorre é um menor gasto de energia para se manter na postura e um aumenta na capacidade de sustentação. A postura de pé por si só já promove esse menor gasto de energia (FELDENKRAIS, 1949, p. 146).

Em seguida, sugeri ao grupo para tocar suavemente a região do diafragma e perceber o que acontece ali quando respiramos. Será que o ar chega tranquilamente ali ou temos que forçar um pouco? Depois convidei o grupo para procurar a lateral da região das costelas e tocar com o espaço que existe entre nossos dedos polegar e indicador. Veja se é possível perceber a expansão e contração do ar nesse local.

O próximo exercício foi o do Grounding de pé com o Arco para trás, com isso liberamos um pouco da tensão diafragmática, o que facilita a energia fluir para cima, para o coração, e para baixo, em direção às pernas. Os pés são mantidos afastados e alinhados na largura do quadril, os joelhos levemente flexionados. O quadril fica solto, ou seja, nem para frente e nem empinado para trás. Em seguida, convidei o grupo para elevar os braços acima das orelhas e inclinar os braços para trás, mantendo a cabeça alinhada e o olhar para frente, e pedi para que levassem as suas respirações para seu estômago e conduzissem o quadril para frente percebendo a abertura na região diafragmática, avisei que nesse momento poderia ocorrer uma vibração ou “tremor”. O grupo é sempre convidado a receber essa vibração como a chegada da vitalidade e, sempre que eu percebia a vibração nos estudantes, dizia: “dê as boas vindas para sua vitalidade, diga à vibração: seja bem vinda!”. Com a respiração profunda, a vibração pode ser facilitada e diluir um pouco as tensões acumuladas nessa região. Sempre avisei ao grupo que, ao perceberem alguma dor articular, deveriam parar o movimento.  Depois de cerca de dois minutos nessa posição, eu convidei o grupo para relaxar os braços e os ombros. Por fim, em seguida, todos juntos fizeram o arco para trás para abrir o diafragma, com as mãos tocando a região da lombar e os glúteos relaxados, é possível experimentar um alívio no diafragma e no peito.

Rir e chorar são expressões emocionais conectadas com o diafragma, dessa forma brincar de dar gargalhada, também poderiam ser feito aqui. Existe um princípio na yoga do riso[5], “finja, finja até que atinja”, inicialmente a gargalhada parece forçada, mas com o relaxamento do diafragma pode surgir o riso espontâneo. Nessa experiência específica não utilizei essa estratégia, mas já tive sucesso com grupo de adultos nesse intuito, especialmente no I Congresso de Psicologia Corporal realizado em Recife em 2017.

O próximo exercício foi o de brincar os sons das letras FSX, esse exercício é um dos mais fáceis e úteis para despertar o diafragma, pode ser feito da seguinte forma:

Ao inspirar, mobilize o diafragma, ao soltar o ar expire fazendo o som das consoantes F, S e X, os sons são projetados com som expirado  o F (fuuuu) S (tsiiii)  e X (txiiii). Depois desse exercício fizemos algumas respirações profundas e percebemos como ficou nosso corpo.

Depois fizemos o exercício do invasor, essa atividade foi introduzida para favorecer a percepção dos limites corporais e resgatar a pulsação do corpo. Nesse encontro especificamente, a realização desse exercício se inspirou nas propostas do processo formativo, sugerido pelo filósofo e terapeuta corporal, Stanley Keleman. Para ele, nosso corpo possui vários diafragmas e funciona como uma sanfona pulsátil que perde a motilidade quando submetido ao estresse permanente (KELEMAN, 1992, p. 92). Um evento traumático carrega uma grande carga de stress e ativa o que Keleman chamou de reflexo do susto. O próximo exercício foi inspirado no que Keleman chama de “continuum do reflexo do susto/estresse” (Idem, p. 88), com o objetivo de, a partir do grounding, resgatar a possibilidade de pulsação corporal. Em dupla, um é o invasor e outro é o defensor, em seguida com a mesma dupla realizamos o exercício pedir e negar, em que um pede e o outro nega a solicitação do parceiro. Fazer isso em dupla e, em seguida, trocar de lugar pode nos ajudar no resgate dos movimentos que um corpo colapsado desistiu de realizar, o colapso demonstra a desistência da preservação da vida, da defesa e da disposição para lutar.

A atividade que gerou mais excitação e pode ser considerada o pico da curva de energia foi a do cabo de guerra. A proposta não é enfatizar que o mais forte é o ganhador, mas exercitar a força no sentido de fortalecer uma postura assertiva diante de obstáculos e negatividades. Em dupla, os estudantes escolheram um parceiro que puxaria a corda para si, enquanto dizem em voz alta um objetivo que desejam alcançar para as suas vidas. Em contrapartida, o outro realizava uma força contrária e dizia coisas negativas que contradiziam e enfraqueciam o objetivo do colega. O parceiro que apresenta obstáculo faz uma resistência enquanto fala negativamente, isso ocorre até o meio do exercício que dura em torno de 3 minutos, depois desse tempo, o opositor cede para que o colega experimente a sensação de conseguir e dar grounding à conquista.

A próxima atividade pode ser chamada de “eu, você, nós e eles”. A turma foi divida em subgrupos de 5 pessoas. A proposta era experimentar sua existência como um “eu” individual e, ao mesmo tempo, como pertencente ao grupo. O grupo foi convidado a se conectar com a sensação que cada palavra dita trazia, ou seja, quando o participante dizia “eu”, ele deveria se conectar consigo mesmo e procuraria perceber: “eu estou em mim” . Quando a consigna era dizer “você”, o estudante era convidado a reconhecer o outro e incluí-lo, afirmando assim a existência dele. Quando a consigna era dizer “nós”, o participante deveria se abrir para o coletivo, e se perceber como parte do grupo. Quando o participante foi solicitado a dizer “eles”, a intenção era perceber os outros como pessoas distantes, se separando um pouco do grupo, esse convite foi feito tanto para aqueles que tomamos como diferentes e que estão perto, como de outros grupos presentes na sala, isso pode nos remeter a situações de ‘paranóias’ e ‘delírios’, em que existe a ideia ficcional de um inimigo, um “ele” ou “eles”. Depois do exercício, o grupo compartilhou o que veio,  o que despertou.  O que você sentiu quando dizia :”eu”, “você”, “nós” e “ele”? Para um fechamento desse exercício, sugeri que, mantendo a formação do grupo, enquanto todos os integrantes se dirigem a um participante dizendo “você”, a pessoa que está recebendo a atenção do grupo (a pessoa a quem esse “você ” é direcionado) afirma sua individualidade dizendo em voz alta: “eu”. Nesse dia eu fiz uma pausa e pedi para que comentassem entre eles, sobre o exercício, sobre qual dos pronomes pessoais foi mais fácil dizer. Perguntei também como foi receber do grupo a atenção enquanto todos falavam você, isso foi importante, pois no questionário que foi respondido por escrito havia uma questão sobre essa dinâmica.

O próximo exercício que chamei de exercício do Sísifo, eu procurei fazer uma conexão entre os dois personagens trabalhados no encontro, eles são como heróis do absurdo, a menina Alice e o Sísifo. Para recuperar o tema de “Alice através do Espelho”, foi criado no espaço da sala um trajeto de saída e chegada, esse percurso se refere a trajetória do herói, o desafio é sair de onde se estava e chegar na”oitava casa ” para ser tornar  “Rainha” ou/e “Rei , chegar no final do trajeto representava assumir o seu poder pessoal, ou seja, o ato de assumir uma posição assertiva em relação a própria força. Em relação à questão do suicídio de mito do Sísifo, encontrar seu destino ou se aceitar como “Sísifo”, não é simplesmente fazer o trajeto, mas também tornar-se a pedra que rola, é assumir nossa humanidade diante do absurdo da existência.

No exercício do Sísifo, a dupla se coloca um de frente para o outro, eles escolhem quem será a pedra e quem será o Sísifo. O que escolheu ser a pedra ficou de frente ao Sísifo. O papel da pedra é oferecer resistência ao movimento do Sísifo. Para isso, o estudante que foi a pedra, ficou com as mãos de frente ao corpo na direção do peito de forma a proteger o peito e o rosto, os pés ficaram afastados na largura do quadril e para oferecer maior sustentação, é importante manter um pé a frente do outro, como se tivesse dando passo para traz.  O estudante que ocupa o lugar de Sísifo  foi caminhando empurrando a mão do colega que está na frente, o colega que está na frente se mantém em silêncio como uma Pedra, diferente do cabo de Guerra, mas o colega também oferece resistência. A turma oferece palavras de encorajamento ao colega para chegar até o final do corredor, que seria a linha de chegada. Ao chegar ao final, todos aplaudem e o estudante que foi o Sísifo permanece em Grounding, acolhendo os aplausos e em seguida volta para o grupo enquanto outra dupla assume o papel de Sísifo e outro o lugar da Pedra.

Com esse exercício, o grupo ficou bem eufórico, ao oferecer palavras de estímulo ao Sísifo, eu aproveitei essa energia e criei um corredor, que eles chamaram de corredor do aplauso, nós formamos duas fileiras uma de frente para a outra, um participante passa pelo corredor e todos aplaudem e dão palavras de incentivo, o desafio era permanecer um pouco no final do trajeto e ficar em Grounding, respirar e sustentar o reconhecimento.

  1. Questionário aplicado nesse encontro:

Após a realização do grupo de movimento e da leitura do texto, foram distribuídos os questionários, além de trazer perguntas que procuram verificar se os exercícios foram capazes de promover a propriocepção e uma maior enraizamento, as questões a seguir também buscam ampliar a reflexão sobre suicídio com dados de realidade e discussões filosóficas atuais. Segue abaixo as questões aplicadas.

 

Você sabia que mais da metade das pessoas que se suicidaram, estavam deprimidas? Estima-se ainda que o risco de suicídio ao longo da vida em pessoas com perturbações do humor (principalmente depressão) é de 6a 15 %, com alcoolismo, de 7 a 15 %, e com esquizofrenia, de 4 a 10 %. (https://oficinadepsicologia.com/suicidio-2/  acesso: 16/08/2017)

 

Para Alexander Lowen, médico, psicoterapeuta e fundador da Análise Bioenergética, o oposto de Depressão é Vitalidade. Essa Vida Vibrante por sua vez só pode vir de nosso contato com nosso corpo.

 

Não podemos esperar que pessoas que estejam sem contato com a realidade, inclusive a realidade de seus corpos, sejam adultos responsáveis. (…) Estar em contato quer dizer perceber seu próprio corpo, suas experiências, seu estado de abertura, e seus padrões de tensão. Quando se está em contato com o self corporal, não se está funcionando apenas com base numa imagem mental que pode ou não corresponder a este self. (…) A pessoa que pensa que se conhece, mas está sem contato com a qualidade e o significado das suas reações físicas está funcionando sob uma ilusão. Confunde as intenções com as ações. Em seu coração, a pessoa quer sair em busca, mas esse impulso não pode fluir livremente por causa de sua armadura muscular. (LOWEN, 1983, p. 186).

 

A partir dos exercícios realizados em grupo e do texto sobre esse tema, responda:

 

1)      Você já tinha associado suas emoções como raiva/agressividade com a força que está presente no seu diafragma?

2)      Alguma atividade individual ou em grupo lhe deu a percepção de mais Vitalidade/ Energia? Se sim, isso lhe manteve mais conectado com você e o grupo?

3)      Em qual momento ou exercício você pode perceber que o seu corpo ficou mais forte e sua mente mais conectada com o que foi proposto?

4)      Na brincadeira do cabo de Guerra foi fácil ou difícil sustentar o seu objetivo diante de uma força contrária? Veio alguma emoção para você? Comente.

5)      Você tem o hábito de falar sobre as suas emoções? Você tem um amigo(a) com quem você desabafa?

6)      Em Alice no País do Espelho, a protagonista da história tem um projeto que é o de chegar na oitava casa e ser Rainha. A partir disso, escreva um pouco sobre o que significa ter um projeto e relacione isso com a ideia de autonomia.

7)      Para Camus, a grande questão filosófica a ser solucionada é o suicídio. Qual a conexão que o autor faz com o tema do suicídio e o conceito de absurdo?

8)      Tendo em vista o conceito de absurdo no pensamento de Camus, faça uma conexão dessa constatação do autor com o dilema de Sísifo e conceito de esperança e revolta.

9)      De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), o suicídio é a segunda causa de morte de jovens no mundo. O primeiro lugar está acidentes de trânsito, em terceiro HIV / AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), e em quarto lugar a Violência, o Brasil é o sexto país do mundo em que os jovens são vítimas de homicídio. Dos casos de suicídios, a maioria é de homens “a masculinidade e as expectativas sociais são os principais motivos para essa diferença” afirma Alexandra Fleischmann, especialista da OMS (PERPASSO, 2015). Em sua opinião, porque os meninos se sentem mais pressionados e acabam executando o plano do suicídio?

10)  Na dinâmica que exercitamos as consignas: “eu”, “você”, “nós” e “eles”. Nessa dinâmica o que foi mais fácil dizer: eu, você, nós ou eles?

11)  Como foi receber o apoio do grupo quando todos diziam você e você se afirmava como “eu”,apropriando-se do “eu existo”?

12)  Manter nossa conexão com o corpo e as emoções, dissolver nossas tensões e estarmos com mais vitalidade e disponíveis para nos relacionar é uma forma saudável para sobrevivermos a uma sociedade de base narcisista, ou seja, sustentada na imagem e na aparência. Regina Favre, filósofa e educadora somática propõe o trabalho corporal do “laboratório do processo formativo”, como uma alternativa possível para “dissolver o individualismo exacerbado do capitalismo contemporâneo em nós, amadurecer nossas formas de conexão, formar comportamentos e modos de funcionar em cooperação, como parte de processos maiores (…) agindo e produzindo nas redes que evidentemente são a nossa realidade… (FAVRE, 2016)” A partir disso e do que foi discutido em aula, comente a seguinte afirmação: “É preciso abrir mão de sermos ESPECIAIS para começarmos a FAZER PARTE”.

13)  Ao refletir sobre o a sociedade atual e o avanço da tecnologia e o afastamento do corpo nas relações, o filósofo Franco Berardi classifica os atuais suicídios como frios, diferentes dos suicídios do século XIX, que eram passionais. Berardi recorre ao filósofo Agamben, para compreender esse afastamento afetivo nas relações. “Em seu livro A linguagem e a morte – um seminário sobre o lugar da negatividade, Giorgio Agamben diz que a voz é aquilo que vincula o corpo (a boca, a garganta, os pulmões, o sexo) ao sentido. Se substituirmos a voz por uma tela, o sentido erótico, afetivo e concreto do mundo se desvanece e ficamos sós, trêmulos e desprovidos da garantia de que o mundo seja algo carnalmente concreto. O mundo torna-se puramente fantasmal, matemático, frio.”. (BERARDI, 2017). Esse afastamento é de fato sentido, prova disso foi o efeito midiático feito por uma das notícias mais discutidas em 2017, entre os pais de crianças e adolescentes: o jogo cibernético Baleia Azul.  Daniel Martins de Barros em seu artigo: “A Lenda da Baleia Azul – ou como uma notícia falsa traduz um perigo real, explica que“O jogo consiste numa série de 50 tarefas, progressivamente mais difíceis, culminando com o desafio do suicídio – e as manchetes diziam que centenas de jovens já teriam chegado ao fim e se matado. A verdade, no entanto, é que nenhum caso foi ligado de fato ao jogo. (…) “Em primeiro lugar, porque ninguém sabe exatamente a razão de o suicídio entre jovens crescer no mundo todo, Brasil inclusive (…) Moral da história: a notícia da baleia azul pode ser exagerada, mas os perigos que ela traduz são tão presentes que todo mundo acreditou. Na dúvida, então, não custa dar ouvidos ao alerta que ela fez.” (BARROS, 2017). Relacione a crítica de Daniel de Barros, com o argumento do filósofo Berardi. Que conexão pode-se fazer entre o distanciamento promovido pelas relações virtuais e falta de afeto nas relações cotidianas, com a repercussão do jogo Baleia Azul?

14)  Sobre as pessoas que se suicidam diante do absurdo, Camus diz que elas fizeram isso porque não viam saída, “as pessoas se matam porque a vida não vale a pena a ser vivida” (CAMUS, p. 23). “Clay Jensen, um estudante, volta para casa da escola um dia, e encontra uma caixa misteriosa deixada na sua varanda. Dentro da caixa, ele encontra sete fitas cassete de dois lados gravados por Hannah Baker, sua colega de escola e amor não-correspondido, que tragicamente cometeu suicídio há duas semanas. Na fita, Hannah desenvolve um diário de áudio emocional, detalhando os treze motivos pelos quais ela decidiu se suicidar. Suas instruções são claras: cada pessoa que recebe a caixa é um dos motivos pelos quais ela se matou. E, depois que cada pessoa termina de escutar das fitas, ela deve passar a caixa para a próxima pessoa. Se alguém decidir quebrar a corrente, outro conjunto das fitas será vazado para o público. Cada fita se dirige a uma pessoa específica em sua escola e detalha o envolvimento da mesma em seu suicídio.”(disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/13_Reasons_Why , acessado em 16/08/17) .” Essa é a sinopse da série “13 Porquês” em inglês 13 ReasonsWhy (estilizado em tela como Th1rteen R3asons Why),em que a personagem encontra 13 motivos para justificar seu suicídio e provar que a vida dela não valia mais a pena ser vivida. Mesmo que você não tenha assistido a série, procure refletir sobre o crescente número de suicídios entre os jovens, você pode indicar um motivo, um “porquê”,  em seguida ao invés de pensar “porquês” para o suicídio indique pelo menos 3 porquês para Viver, ou que indiquem que a vida vale a pena ser vivida.

15)  Sísifo é um enganador… Ele “enganou” a morte.  Quando somos imediatistas e não conseguimos ter uma perspectiva, ou seja, um plano a longo prazo, um projeto de vida, podemos entrar num certo comodismo. Quando só percebemos ‘o que nos falta’, ou o que está errado e não nos organizamos para realizar os nossos planos. Quem está sendo enganado? E se nada estivesse errado com sua vida, o que você escolheria?

 

 

 

  1. Comentários sobre as questões tratadas nesse encontro:

O Mito do Sísifo foi escolhido, por ser Camus um autor que mesmo diante do absurdo da existência, nos propõe uma saída assertiva diante da vida. Para Camus, a metáfora de Sísifo nos leva a pensar sobre a questão mais importante que a Filosofia deve refletir, e uma das questões mais atuais que é o suicídio, que tem sido uma das principais causa de morte dos jovens no mundo

Desde o primeiro insight sobre o trabalho com o plexo solar e sua conexão com o poder pessoal, a brincadeira que pensei primeiro foi a do cabo de guerra, feito a partir do grounding e com a corda, ou cinto de pano, que seria segurado pelas mãos próximas da região do umbigo. Na turma foi esse exercício que realizou a subida na curva de energia. Além disso, essa brincadeira facilitou o acesso às emoções que se relacionam com o plexo solar, foram descritas as emoções de raiva, agressividade, que se transformaram em força para puxar a corda, o medo de não conseguir e a tristeza de perder no jogo foram as emoções mais acessadas.

Nesse encontro, participaram 23 estudantes, todos levaram os termos de assentimento devidamente assinados, conforme exigência do comitê de ética, para a realização de uma pesquisa acadêmica. Desse total, apenas 17 disseram que nunca tinham associado a raiva e agressividade ao diafragma. Os outros que já tinham mais consciência da respiração diagramática a faziam para facilitar a projeção da voz para cantar, outra para jogar handebol. Um menino disse usar a respiração diafragmática para aliviar a angústia, apenas um menino disse perceber a raiva e usar essa emoção para treinar e afirma sentir alívio depois dos treinos.

Ao serem questionados sobre qual brincadeira mais despertou mais vitalidade, a maioria disse que  foi a do cabo de guerra (6 participantes), em seguida empurrar a pedra (5 participantes), a brincadeira eu, você, nós, ele (2 participantes), a de chamar pelo nome e trocar de lugar (1 participante) e o restante disse que não perceberam diferença em nenhuma atividade (7 participantes), outros não responderam essa questão.

Sobre o exercício que mais aumentou a conexão sobre o corpo e o grupo, o cabo de guerra foi o que mais facilitou a conexão (8 participantes) e empurrar a pedra (3 participantes), o restante não respondeu essa questão (12 participantes), alguns disseram que essa questão era muito parecida com a anterior.

Na brincadeira do cabo de guerra ao serem questionados sobre a facilidade ou dificuldade de manter o foco e força no exercício diante das falas negativas do colega que fazia a força contrária, a maioria achou difícil de sustentar (18 participantes), e o restante achou fácil (5 participantes), as emoções que emergiram dos exercícios foi raiva (5 participantes), medo de não conseguir (6 participantes) tristeza quando não conseguiam sustentar (3 participantes). Alguns disseram sentir emoções misturadas: uma mistura de raiva e tristeza (2 participantes), uma mistura de medo, tristeza e raiva (2 participantes), e outros não relataram nenhuma emoção (2 participantes).

Ao serem questionados sobre de falar sobre suas emoções e desabafar, a maioria da turma disse que não tem esse hábito (14 participantes), outra que às vezes (2 participantes) e a minoria tem o hábito de compartilhar suas emoções (7 participantes). Quando as compartilham a maioria faz com amigos (9 participantes), com namorado(a) (6 participantes), com familiares (5 participantes), guardam as emoções para si (2 participantes) e um participante diz desabafar com Deus. Um relato demonstra como a angústia não é compartilhada:

“Eu costumo guardar para mim até que eu me sinta sufocada, então eu conto para uma amiga, que parece não dar importância e assim me faz pensar que é melhor guardar só para mim mesma. Não me sinto bem falando dos meus próprios sentimentos”.

Ao serem solicitados a refletirem sobre a noção de autonomia e projeto de vida, a maioria associou o conceito de projeto com metas em curto prazo (14 participantes), outros mencionaram projetos de longo prazo como se formar profissionalmente, ter uma família (9 participantes). Sobre a associação entre o conceito de projeto e autonomia, a maioria não realizou essa associação (14 participantes), o restante não fez essa relação (9 participantes).

Sobre a conexão entre o suicídio e o absurdo, a maioria (19 participante) compreenderam que para Camus o suicídio aparece como uma saída diante do absurdo de uma vida sem sentido, o restante (4 participantes) dos pesquisados associaram o suicídio como sendo o absurdo. Quando foram questionados sobre a revolta como uma atitude diante do absurdo, a maioria tomou a revolta como uma atitude assertiva (11 participantes), alguns confundiram os conceitos de absurdo e revolta com o suicídio (5 participantes). Uma das estudantes associou a revolta com desistência, nas palavras dela “chutar o balde”, uma compreensão equivocada, pois para Camus a revolta nos leva a esgotar todas as forças e viver. Mas em sua maioria na discussão em sala os estudantes tiveram uma boa compreensão.

Durante a escrita das respostas no questionário uma das estudantes, ficou muito tempo olhando pra cima, depois me olhou e perguntou: professor por que ele não desistiu de rolar essa pedra? Eu devolvi a pergunta para ela com as mesmas palavras, ela deu mais uma pausa e disse: ‘se ele tivesse desistido, ele não seria o Sísifo”. Eu comentei: se isso tivesse acontecido, será que essa história estaria sendo contada? Sobre isso uma estudante escreveu:

a conexão que vejo na história de Sísifo e o conceito de absurdo, é que mesmo Sísifo perdendo o sentido da sua vida, ele simplesmente aceita seu destino e continua a empurrar a pedra, aceitar não é desistir.

 

Ao refletir sobre o absurdo da existência outra menina escreveu:

 

a conexão do absurdo é que não tem sentido, mas quando se tem esperança ou revolta a pessoa tem a esperança para lutar, a revolta faz que tenhamos coragem para que possamos seguir.

 

Sobre o fato dos casos de suicídio entre jovens ocorrer mais entre jovens do sexo masculino, a maioria (17 participantes) disse que isso ocorre devido ao papel atribuído aos meninos, e por sempre ouvirem coisas como: “homem tem que ser forte”, “homem não chora”, e a exigência de ser o “homem da casa”. O restante dos estudantes (6 participantes) remeteram essa postura a questão do machismo, sobre os meninos que não se encaixam no que é esperado de um menino poder sofrer bullying e isso levar ao suicídio. Vou destacar a resposta de uma menina sobre o tema:

a sociedade impõe um padrão de ação para cada indivíduo, quando não conseguimos ou não queremos alcançar esses padrões, nos sentimos tristes e pressionados a fazer tudo de novo até seguir o padrão. Os homens tem o padrão da virilidade, a masculinidade do macho alfa, porém, nem todos querem seguir isso, entretanto, outros indivíduos exercem uma pressão sob ele para que ele faça o que o padrão pede.

Abaixo seguem dois relatos de meninos que separei, ao serem observados sob o ponto de vista da leitura corporal apresentam traços fálicos narcisistas, pela caracteriologia loweniana. A rigidez de ambos transparece nos elementos da pressão mencionada pela menina:

“Bom creio eu que não haja um motivo especifico, mais que a sociedade onde vivemos ajuda bastante para que aconteça o suicídio, por o ‘homem’ ser o chefe da família, o exemplo em tudo a parte forte, que tem que trabalhar e etc… acho que isso pressiona muito as pessoas que ainda não estão preparadas para tal pressão e quando comentem algum erro acabam simplesmente desistindo por pensar no que os outros vão pensar!!!”

Aqui aparece o elemento da pressão descrito pela menina e é atribuído a sociedade essa pressão, de certa forma a norma mesmo que introjetada aparece como vinda de fora, ou seja, da sociedade. O segundo relato já não tem essa clareza:

“os homens tem um senso de responsabilidade maior, para nós quando crescemos deveremos sustentar nossa família queremos dar um boa vida a quem amamos, e quando vemos que nada está indo de acordo com o esperado, que o futuro pode se terrível, acabar com a própria vida pode ser uma solução fácil, não precisa pensar mais, sem preocupação ou medo, só um silêncio, uma paz que não poderá ser interrompida, sempre há o pensamento de culpar os outros ao redor, família, amigos, todos seus problemas pessoais mesmo que pequeno, vai se juntando e se tornando uma raiva imensa e não tendo onde descarregá-lo, já que mostraria a todos a sua fraqueza e problemas, vai com o tempo desistindo, perdendo a vontade de fazer tudo, até que a morte começa a parecer maravilhosa e sua única opção para se livrar desse sentimento que o impede até mesmo de chorar para descarregar, só um ódio a raiva e tristeza por ser assim e não conseguir se livrar disso.”

Interessante que o relato começa com uma afirmação do status quo, ao contrário do posicionamento crítico da menina, além disso, o suicídio se apresenta como um lugar de paz e silêncio. Para o filósofo Byung-Chul Han, nossa sociedade por impor constantes metas de produtividade e sucesso e uma não admissão do fracasso, pode ser chamada de sociedade de desempenho (HAN, 2015, p. 25), uma saída para essa alta carga de stress e cansaço é o silêncio, o que me chamou atenção aqui é o sistema vigente por não oferecer espaço para o silêncio, para pausa, e uma olhar de contemplação em direção à vida. Esse estudante acabou por projetar no suicídio uma dimensão que deveria ser constitutiva da vida e não da morte?  Essa é uma reflexão que pode ser desenvolvida em outros artigos futuramente.

O exercício ‘eu, você, nós e eles”, foi introduzido com a ideia de gerar pertencimento ao grupo e ao mesmo tempo fortalecer o ego saudável ou verdadeiro self, especialmente com a parte final em que todos do grupo dizem você, enquanto cada participante diz eu, pra a maioria (9 participantes) foi mais fácil dizer eu, o restante ficou praticamente dividido entre é mais fácil dizer você (5 participantes) e nós (5 participantes), alguns acharam difícil dizer eles (3 participantes), e uma pessoa escreveu que foi difícil falar eu. Ao serem questionados sobre a segunda parte do exercício, em que um participante dizia “eu’ simultaneamente em que todos diziam você com um tom de voz e olhar de apoio. Para a maioria (15 participantes), foi fácil receber apoio do grupo enquanto todos diziam você, uma delas disse: “ao receber o ‘você’, consegui perceber minha existência”. Alguns relataram que foi difícil especialmente porque ter que olhar nos olhos dos colegas (5 participantes), um disse que sentiu confusa e outra associou com o sentimento de culpa. Esse exercício buscou sensibilizar o próximo problema abordado no questionário, que se refere ao narcisismo exagerado em nossa sociedade que sempre nos convida para sermos “especiais”, ou “o primeiro lugar” e não a “fazer parte’, a maioria (14 participantes ) criticou essa postura e ressaltou a importância de nos vermos como iguais e parte do grupo, outros disseram que o mais importante é preservar o que é seu ( 2 participantes), o restante não respondeu a questão.

Um garoto da turma que sempre apresentou dificuldade de escrita, disse que não iria responder as questões, eu decidi conversar com ele e perguntei se poderia anotar alguns comentário gerais para não me esquecer das ideias centrais de nossa conversa. Nesse tópico foi interessante o que ele comentou que todos temos o desejo de fazer parte do mundo, e que o facebook oferece uma sensação falsa de pertencer e não ser excluído. Sobre essa questão uma estudante comentou:

 

foi interessante para nos fazer pensar e refletir que às vezes nos colocamos em primeiro lugar e esquecemos de dar importância para os outros pessoas e estarmos em conjunto, como o ‘nós’ do exercício em grupo.

 

Sobre o episódio do suicídio de adolescentes conectados ao jogo baleia azul, a maioria (11 participantes) disse que o jogo funcionou como uma desculpa para o suicídio e que provavelmente essas crianças eram depressivas, sobre isso um comentou: “a repercussão do jogo baleia azul funcionou, meio que como uma epifania”, outra disse que “o jogo é apenas uma máscara, como um desculpa para as pessoas fazerem aquilo que já queriam”. Outros estudantes (10 participantes) disseram que as relações à distância e falta de contato favorecem o suicídio, dois estudantes não responderam essa questão. Nesse mesmo sentido, eu aproveitei o sucesso da série “13 Porquês” para verificar possíveis motivos para que os estudantes defendessem uma atitude assertiva diante da vida. Para a grande parte deles um dos motivos para o suicídio é a angústia e o medo de fracassar, e dos motivos para viver é crescer e ser alguém (6 participantes), provar para os outros que conseguem vencer na vida (3 participantes), a família (3 participantes), perceber que tudo está em constante mudança (2 participantes), explorar o mundo com um lugar cheio de novidades (2 participantes), ajudar outras pessoas (2 participantes), acreditar nos seus sonhos (2 participantes), outro indicou a vingança como motivação e outra a comida, pois “comer é muito bom”.

A última questão retomou a ideia do projeto de vida como algo a ser construído a longo prazo e com possibilidade de frustração. Tendo em vista que o medo de fracassar, ou a não aceitação do fracasso é um dos motivos de desistência diante do absurdo, quando o indivíduo não corresponde às expectativas surgem sentimentos que enfraquecem a auto imagem do sujeito como vergonha e o sentimento de culpa. O que se fortalece é a atitude de sempre buscar, “onde foi que eu errei”, e isso acaba por paralisar os nossos esforços em continuar “rolando a nossa pedra”.  “Mas as busca de algo errado ou de fortalecimento da culpa já é algo introjetado, um dos estudantes escreveu: “se nada estivesse errado com minha vida, já estaria errado por não haver nada errado e logo então já há algo errado”. Os que tentaram ir além do errado de si e imaginaram uma escolha livre disseram ir atrás de seus sonhos (6 participantes), ter uma família (3 participantes), viver para sempre (1 participantes), evoluir (2 participantes), outro disse que escolheria ser feliz e outro disse que não sabia.

Como dito no início desse artigo, esse encontro contou com o apoio das professoras Fabiane e Andrea para terem a duração de 150 minutos, isso não é usual, pois as aulas tem duração de 50 minutos. Ao contrário da experiência anterior realizada em 2016, em que o trabalho do segmento torácico foi retomado durante todo o ano, esse trabalho com o segmento diafragmático, teve esse formato, mas isso não impede que esse encontro seja reduzido tanto na quantidade de exercícios como na leitura dos textos, foi isso que fiz no I congresso latino americano de psicologia corporal, realizado em Recife em 2017, quando apresentei a mesma proposta para um grupo de 30 pessoas.

Um exercício que realizei com as turmas de 2017 e que não estava descrito foi o que os estudantes chamaram de “corredor do aplauso”. Os estudantes formaram um corredor e um de cada vez passava pelo corredor formado de duas fileiras voltadas uma de frente para a outra. Simultaneamente, todos aplaudem e oferecem palavras de estímulo ao estudante que está sendo o Sísifo e empurrando o colega que é a pedra, após fazer o trajeto, permanece em Grounding, e acolhe os olhares do grupo e osaplausos e em seguida volta para o grupo, enquanto outra dupla assume o papel de Sísifo e outro o lugar da Pedra. Foi interessante que muitos estudantes saiam antes de receber o aplauso, ou cruzavam os braços, então eu sugeria que eles se mantivessem de pé e recebessem o reconhecimento, pois o objetivo era reconhecer a conquista e se nutrirem dela.

A reflexão sobre o absurdo e a revolta como uma saída assertiva, e o acolhimento da agressividade como força e não como violência foi uma das coisas que discutimos em sala. Nossa  força, muitas vezes pode ser recuperada, quanto admitimos nossa fragilidade e a nossa  vulnerabilidade de ser humano. De poder dizer nossos sentimentos e de poder pedir ajuda.

Sobre a dificuldade de falar das emoções e pedir ajuda, essa demonstrada especialmente pelas respostas dos meninos e sua dificuldade de desabafar, podemos dizer que traz uma posição cultural de negação nas emoções e do lugar na mulher como um local de fragilidade. Pedir ajuda é sinal de fraqueza. No capítulo “Corpos inflamados, palavras engolidas”, do livro “Que corpo é este que anda sempre comigo?”, as autoras ao refletirem sobre a ausência da escuta, e o descrédito da importância da fala e do diálogo, especialmente nas redes sociais, onde “quanto mais se escreve, menos se é lido”, pode gerar corpos inflados de palavras não ditas:

Não à toa aqui se utiliza o termo inflamado. Inúmeras são as possibilidades de articulação a partir desse termo, pois se pode relacionar tal metáfora à ideia de que diante de uma cultura em que, quase não havendo espaço para a expressão de conflitos subjetivos, o corpo parece restar como último reduto do sofrimento articulado pelo ato. Assim, tais palavras engolidas inflamam o corpo, pois a ele é permitido –e exigido –que faça, que produza, que seja resistente, belo e performático. Como não associar excitação, afogueamento e vermilhidão à virilidade tão exposta no mundo fitnes?’ (NOVAES & VILHENA, 2016. p.137)

Confesso que esses relatos que indicaram que a maioria dos estudantes não tinha o hábito de falar das suas emoções e o aumento de suicídio entre os jovens me inquietaram, isso me levou a retomar no encontro seguinte o exercício do gibberish, um exercício de meditação em que se fala sílabas e palavras soltas como forma de desabafo, respeitando a dificuldade de desabafar especialmente os conteúdos emocionais e se aliando a defesa racional dos estudantes, o exercício vem como um desabafo em outra língua e que mesmo não sento cognitivo pode promover um alívio no falante, a fala poderia ser sintonizada com uma questão ou conflito do falante ou simplesmente livre e desconexa como é originalmente realizada na técnica do gibberish. Além disso, pensei em introduzir alguns exercícios em que o tema da frustração e o medo de fracassar pudessem ser abordados, com essas ideias e inquietações elaborei o encontro seguinte da proposta dessa pesquisa-ação, que tem partido de inquietações reais e me constituído como um professor pesquisador (THIOLLENT, 2000).

Esse artigo não tem uma conclusão, essa reflexão não para aqui, pensar e intervir em corpos contemporâneos tem sido um desafio e atualizar a análise bioenergética no meu fazer como professor de filosofia espera contribuir para manter viva a conexão com nossos corpos e com a vida.

 

 

Referências Bibliográficas:

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BERARDI, Franco. “Neoliberalismo, Assexualidade e Desejo de Morte”. Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/neoliberalismo-assexualidade-e-desejo-de-morte/. Acessado em: 20/04/2017

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LOWEN, A. O Corpo em Depressão. São Paulo: Summus, 1983.

NOVAES, Joana de Vilhena. & VILHENA, Junia de. Que corpo é este que anda sempre comigo? Corpo, imagem e sofrimento psíquico. Curitiba: Appris, 2016.

PERASSO, Valéria. OMS: Suicídio já mata mais jovens que o HIV em todo mundo”. (22 de setembro de 2015). Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150922_suicidio_jovens_fd acesso: 08/08/2017.

SANTOS, Maria Clara Dunck. “O Mito, O Imaginário e o Absurdo na Obra de Albert Camus”. VOOS Revista Polidisciplinar Eletrônica da Faculdade Guairaçá. Volume 01 (Ju. 2009), p.p. 92 – 102. Caderno de Letras – Estudos Literários – ISSN 1808-9305. Disponivel em: www.revistavoos.com.br. Acessado em 26 de maio de 2017.

SOPHIA, Gisele S.B. & GARCIA, Pedro B. Andanças pelo Bosque das Maravilhas e pelo Bosque do Espelho: Reflexões de Alice para a Educação. Jundiaí: Paco Editorial: 2015.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Autores Associados, 2000.

YORKEY, Brian. 13 Reasons Why (estilizado em tela como Th1rteen R3asons Why). Sinopse disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/13_Reasons_Why , acessado em 16/08/17) .”

SITES COM VÍDEOS E TEXTOS VARIADOS

Albert Camus; Discovery oftheAbsurd [A Descoberta do Absurdo – Legendado].

https://www.youtube.com/watch?v=N6sfrPOcxkA Acessado em 26 de julho de 2017

Are youlost in the world like me? Animationby Steve Cutts

https://www.youtube.com/watch?v=XtWfvO_tjW8Acesso: 02/08/2017

Entrelinhas: Albert Camus https://www.youtube.com/watch?v=TSYyq2owWK0Acessado em 26 de julho de 2017

Exercício para o Segmento Diafragmático (Raiva/Poder pessoal) – Bioenergética em casa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6vd4gOPa48s. Acessado em 15/07/2017

Fim de Mês – Raul Seixas: https://www.youtube.com/watch?v=qXOFuU5R120

O Mito de Sísifo e a Questão dos Trabalhadores 2010.https://www.youtube.com/watch?v=wGFeRO7rFGMAcessado em 26 de julho de 2017

http://www.mundodosfilosofos.com.br/hobbes.htm#ixzz3JLiOdS00

PHILOSOPHY – Albert Camus.

https://www.youtube.com/watch?v=jQOfbObFOCw. Acessado em 26 de julho de 2017

O que aprendi com Sísifo?

https://www.youtube.com/watch?v=JsvNh3p560E

https://www.youtube.com/watch?v=XOvbDnCieQI

O peso esmagador do consumo: uma reflexão sobre o mito de Sísifo

 

[1] Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre em Filosofia e Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Psicoterapeuta Corporal pelo Instituto Ligare, Analista Bionergético – CBT e membro do IIBA.

 

[2] Para aprofundar melhor a relação entre a flexibilização da couraça diafragmática e o dilema existencial entre pautar nossas escolhas em estratégias racionais ou seguir a “voz do coração”, acesse: http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Anais-2018/pdf/OLIVEIRA-Joviniano-JESUS-Adilson-Na-batida-do-coracao.pdf

[3] Grifo nosso.

[4] Afirmação da trainner internacional Odila Weigand ao comentar sobre o caráter psicopático.

[5] Para maiores informações acesse: https://www.yogadorisobrasil.com/

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